Natural de uma pequena vila na região do Cariri, o jovem Nattalos Casseano, 27, está realizando o sonho de infância ao cursar Medicina na Universidade Estadual do Ceará (Uece). Filho de agricultores não alfabetizados, ele estudou durante seis anos em cursinhos e por conta própria para conquistar a aprovação. Atualmente no quinto período do curso, ele também trabalha como professor de redação, no formato home office, e estagia na universidade.
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O início de um sonho
Vindo da pequena vila Padre Cícero, no município de Milagres, a 482,50 km da Capital, Nattalos teve uma infância humilde.
Os pais analfabetos e agricultores, dona Cícera Casseano de Sousa, e José Ronaldo Manoel, levavam Nattalos junto da irmã, Natanaeli de Sousa, desde os cinco anos para acompanhar o trabalho na roça.
“Eu não tive muitas regalias, mas nunca faltou nada, graças a Deus. Meus pais sempre se esforçaram para ter o mínimo dentro de casa. Muitas vezes [a gente] estudava pela manhã no fundamental, em uma escola de bairro, e à tarde acompanhávamos eles na roça. A gente brincava e eles trabalhavam”, relembra ao O Povo.
Após algum tempo trabalhando na roça, o pai do jovem começou a vender brita e areia como carroceiro. Aos poucos, os pais conseguiram montar um pequeno comércio na vila.
Nattalos decidiu que queria ser médico ainda criança, enquanto observava o trabalho de profissionais de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) que ficava próxima à casa de um amigo.
“Eu tenho um amigo de infância que é enfermeiro. A gente tinha o mesmo pensamento de ‘vamos ser médicos [um dia]’. Eu via algumas pessoas nessa UBS vestidas de branco, não sabia qual era a profissão delas, mas a partir daí eu senti no meu coração: ‘Eu quero trabalhar assim, quero ser como essas pessoas’”, relembra.
Ele conta da insegurança de fazer um curso tão concorrido: “Como é que eu vou fazer Medicina em um local que a maioria das pessoas nem terminam o ensino fundamental?”.
O estudante de Medicina conta que o sonho da mãe era ver os dois filhos formados no ensino fundamental. “A gente não passava disso [pra ela], porque realmente é um problema de onde eu moro”, compartilha.
A jornada até a aprovação em Medicina
Em 2016, o estudante conciliava os estudos no ensino médio junto de um curso técnico em enfermagem.
Um ano depois, o jovem começou a procurar por vagas em cursos de vestibulares. Ele conseguiu uma bolsa de estudos com 50% de desconto, em uma instituição em Brejo Santo, a 20 km da vila onde Nattalos morava. O jovem pagava R$ 250,00.
“Para muita gente, o valor é tranquilo, mas imagina para uma família que não tinha muita renda. Meu avô e meu pai me ajudavam, e minha mãe não podia porque só recebia o bolsa família. O resto eu tinha que me virar”, cita.
Na pandemia, Nattalos conseguiu a ajuda de um professor do Cariri, que lhe forneceu um curso e materiais gratuitos. “Eu me tornei professor de redação e ganhei uma bolsa 100%, eu trabalhava pra eles e em troca eu tinha essa bolsa”, conta.
“Tinham professores que toda quarta-feira iam me deixar em casa, porque viam que eu realmente queria estudar. E eles sabiam que eu não poderia perder [o ônibus], que ia embora às 16h30min, e a aula acabava às 19 horas”.
As críticas nunca chegaram diretamente ao jovem, sempre era a mãe, dona Cícera, quem ouvia em primeira mão. “Ela ia na casa de uma manicure e escutava o pessoal falando: ‘Teu filho fica tanto tempo trancado, já tá indo para o quinto ano de cursinho, deixou de viver. Esse menino vai ficar louco’”, relata sobre os comentários.
Ele conta que a mãe sempre o defendia: “Não, gente, mas tá chegando aos pouquinhos”, recorda as falas da matriarca.
A chegada da tão sonhada aprovação
Quando recebeu a notícia de que tinha sido aprovado, Nattalos estava em um retiro espiritual para jovens.
“Eu sentia que não ia ser aprovado, estava concorrendo com as pessoas dos melhores [cursos] de elite, sabe? E eu lembro como se fosse hoje, no dia 1º de janeiro de 2023 eu fui aprovado. Eu já não estava aguentando mais, estava indo pro sétimo ano de cursinho”, afirma.
Apesar da ansiedade, ele conta que todo esforço valeu a pena. “Foi como tirar um peso muito grande das minhas costas, e eu disse: ‘Realmente, Deus me honrou, eu pedi muito’. Sempre tive Ele me guiando e fortalecendo”.
Nattalos conta que pretende se especializar em cirurgia geral. “Não sei como é que vai ser mais pra frente, se vou querer uma área específica. Entrei na faculdade pensando nessa área e, até hoje, é isso que eu quero”, comenta.
Ele compartilha a rotina como estudante e professor de redação no Instagram. Como conselho, o cearense ressalta que é importante “não se comparar com o outro no sentido negativo”.
“Muitas vezes, a gente pega a realidade do outro como parâmetro. Cada pessoa vai ter uma trajetória de vida e desafios totalmente diferentes. Eu sempre falo, se você quer um objetivo, é só não desistir”, conclui.
Fonte: O Povo